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“Queremos trabalhar, construir um futuro e uma vida nova. Queremos viver e não apenas sobreviver”, desabafou em entrevista ao g1 um dos indígenas da etnia venezuelana Warao, que não quis ser identificado. Refugiado, ele, juntamente com outras famílias indígenas, buscam se restabelecer em Uberaba após fugirem da crise político-sócio-econômica enfrentada pela Venezuela.
Como consequência da falta de emprego, o grupo que vive no Bairro Alfredo Freire, conta com poucos recursos para pagar água e energia e comprar alimentos. O aluguel é arcado pelo projeto de acolhimento Ágape, uma iniciativa do padre Fabiano Roberto Silva dos Santos, pároco da igreja São Geraldo Majela.
“Temos o aluguel da casa, mas não temos dinheiro para mantê-la”, contou o indígena Warao.
As famílias recebem do Auxílio Brasil – programa federal de transferência de renda que substituiu o Bolsa Família – o valor R$ 400 por mês, mas não é suficiente para as despesas.
Os Warao chegaram ao Triângulo Mineiro em 2021, porém, alguns já estão no Brasil desde 2017, e passaram por inúmeras cidades como Uberlândia, Pacaraima (RR) e Manaus (AM). O motivo da mudança frequente, segundo eles, é a falta de trabalho.
“Queremos ir para onde tem emprego”, disse o refugiado.
Entre as queixas para conseguir um meio fixo de sustento estão a falta de documentação, os preconceitos e os estereótipos. Eles até conseguem algumas diárias de serviço, mas ainda não foram formalmente contratados. E o principal impedimento para conseguirem um emprego fixo é a exigência do domínio da Língua Portuguesa.
“Dizem que para conseguir emprego temos que aprender português, mas e o pessoal que está no trabalho? Como assistir aula sem a liberação no serviço?”, questionou.
Sem dinheiro, emprego e contas para pagar, alguns buscam as ruas para pedir dinheiro. Entre os estereótipos e preconceitos, o grupo reclamou que é chamado de agressivo, além de muitos afimarem que ouvem que são preguiçosos e que não querem trabalhar.
“Já chegaram a perguntar para um de nós se a filha era do indígena mesmo ou se tinham trago ela sequestrada da Venezuela, mesmo tendo todos os documentos”, lembrou.
O g1 procurou a Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds) para saber se a a Prefeitura estava ciente da situação dos indígenas venezuelanos. O Município informou que o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é a porta de entrada da assistência social e que a comunidade do Bairro Alfredo Freire é atendida no CRAS Tutunas.
“No Cras, o estrangeiro recebe auxílio para regularizar a documentação, é orientado quanto aos benefícios sociais e inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, além de direcionado para atendimento em outras áreas, como Saúde e Educação. Especificamente quanto à empregabilidade, o Cras Tutunas auxilia o estrangeiro na elaboração de currículo e o encaminha para vagas disponíveis no mercado de trabalho, quando há interesse”.
A Seds ainda informou que “somente no dia 1° de fevereiro”, enviou 5 currículos de venezuelanos atendidos pelo Projeto Ágape para uma empresa. Porém, as famílias contatadas pela reportagem informaram que os currículos enviados não foram os delas.
A secretaria também destacou que junto às demais secretarias e órgãos, como Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário, estudam a elaboração de uma política pública municipal de acolhimento ao imigrante e refugiado.
A reportagem também contatou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que afirmou que sobre o caso específico dos indígenas Warao, a informação deve ser tratada com a Superintendência da Polícia Federal local. A reportagem procurou a Delegacia da Polícia Federal de Uberaba para saber sobre a situação, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Quanto aos venezuelanos de maneira geral, o Ministério informou que as duas principais alternativas migratórias são pedido de autorização de residência com base na Portaria Interministerial nº 19 do MJSP e do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o pedido de reconhecimento da condição de refugiado. Ambos são feitos em unidades da Polícia Federal.
No dia 30 de novembro de 2021, foi realizada uma vistoria da condição de estrangeiros em situação de vulnerabilidade social no Bairro Alfredo Freire. Contudo, segundo a Prefeitura, apenas uma das casas foi vistoriada e as outras residências não foram visitadas.
Indígenas venezuelanos da etnia Warao, em Uberaba — Foto: Maria Júlia Araújo/g1
Os Warao são indígenas naturais da Venezuela. Apesar de pertencerem a uma mesma comunidade, as diásporas — dispersão de um povo devido ao preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica —, os colocaram em diferentes localizações do país, mas ainda assim eles continuam a compartilhar a mesma língua: o Warao.
No país de origem, eles habitam, em grande maioria, o Delta do Rio Orinoco, localizado na República Bolivariana. Entretanto, eles também podem ser encontrados em outras regiões como, por exemplo, trechos fronteiriços à Guiana Francesa.
Ao longo dos anos, houve diferentes momentos da história que motivaram as diásporas dos Warao. Como por exemplo, a colonização espanhola na Venezuela, no século XVIII, a chegada dos europeus ao continente, a criação de uma barragem no Rio Manamo — que provocou o deslocamento dos indígenas em direção aos centros urbanos — e a exploração de petróleo na cidade de Pedernales, onde a maioria da população era Warao.
Imagem de arquivo de protestos na Venezuela por causa de interrupções nos serviços de água e luz — Foto: Federico Parra/AFP
As diásporas da comunidade foram intensificadas pela crise político-sócio-econômica da Venezuela. Dados divulgados pelo Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), em 2021, apontaram que cerca de 5 milhões de venezuelanos deixaram o país até 5 de setembro de 2020, sendo que 264.157 dessas pessoas buscaram refúgio no Brasil.
Dentre os principais motivos para o deslocamento está a hiperinflação, o aumento da violência, o desabastecimento de produtos básicos e a deterioração da área da saúde.